segunda-feira, 17 de setembro de 2012

A questão dos acidentes do trabalho vai muito além dos EPIs", afirma auditor do trabalho em evento no TRT 4


No início da tarde da sexta-feira, 31/8, o auditor-fiscal do Trabalho (AFT) Luiz Alfredo Scienza ministrou a palestra "A Atuação do MTE na Prevenção de Acidentes do Trabalho: análise de casos práticos". A atividade fez parte do seminário "Prevenção de Acidentes do Trabalho", que contou com palestras e debates durante todo o dia no Plenário do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS).
 
Em sua intervenção, Scienza destacou que o número de acidentes do trabalho no Brasil representa uma tragédia nacional, e que a questão não é exclusiva de um ministério, mas de todos os órgãos ligados ao mundo do Trabalho. Ele citou estimativa do sociólogo José Pastori segundo a qual, além das imensas perdas humanas, o custo dos acidentes do trabalho chegam a 9% de toda a massa salarial do país.
 
Para o auditor, quando se fala em acidentes de trabalho existem as questões visíveis e as questões ocultas sobre o tema. Em primeiro lugar, segundo ele, as estatísticas referem-se apenas aos trabalhadores formais, e os índices de informalidade no Brasil ainda são muito altos. 
 
Estima-se que de 4 a 20% das mortes de pessoas com câncer estejam ligadas ao trabalho, o que muitas vezes não é evidente para os órgãos reguladores. "Tanto do ponto de vista da dor, do sofrimento, das mortes ocorridas, como do ponto de vista econômico, esta é uma disfunção que precisa ser corrigida", afirmou, explicando que o primeiro passo para a resolução dessas questões é o reconhecimento de que elas existem. 
 
"Recentemente se reconheceu o nexo de causalidade entre os problemas de circulação sanguínea dos motoristas de caminhões-tanques carregados com gasolina e produtos com benzeno. Isso é fundamental", exemplificou.
 
Scienza também explicou que, no que se refere à fiscalização do trabalho, a questão da invisibilidade é bastante importante. "Uma prensa que aparentemente estava com todas as condições de segurança foi interditada recentemente, porque concluiu-se que a distância entre o trabalhador e o local da prensagem era muito pequena e poderia ocasionar acidentes", relatou. "Muitas questões dos acidentes estão ligadas à própria organização do trabalho, não apenas nas condições dos equipamentos", avaliou.
 
Em outros casos, conforme o AFT, os acidentes estão ligados ao aporte tecnológico precário e inadequado, situações nas quais qualquer norma de segurança e saúde será insuficiente.
 
"Não adianta colocarmos tecnologia moderna em cima de uma DKW", ilustrou. É o que ocorre com equipamentos utilizados nas fundações dos prédios. "Trabalhador não é minhoca para estar debaixo da terra. Já existem alternativas tecnológicas para esse tipo de trabalho", disse.
 
Para Scienza, verifica-se em muitas situações a empresa tentando otimizar seus custos com a precarização das condições de segurança. Ele citou o exemplo de uma empresa em Porto Alegre que instruía seus funcionários a utilizar o máximo possível das chapas de aço na hora do corte. 
 
Em uma ocasião, um operador de prensa precisou se afastar e deixou no seu lugar um auxiliar de operador. Quando o auxiliar posicionou manualmente um retalho de aço a máquina entrou em movimento e amputou sua mão. "Casos como estes são paradigmáticos", afirmou Scienza.
 
Scienza explicou que os auditores do trabalho possuem basicamente duas ferramentas importantes na prevenção de acidentes. A primeira delas é a análise ampla dos casos, que muitas vezes gera determinações que não estão previstas em nenhuma lei. 
 
"Se concluírmos que uma determinada atividade precisa ser executada por um determinado número de trabalhadores e a empresa não possui esse número, determinamos a contratação como prevenção", exemplificou.
 
Outra possibilidade é a interdição de obras e máquinas, que ocorre a partir de critérios técnicos que não necessariamente estão descritos nas normas regulamentadoras. "Isso nos permite avançar a patamares maiores", frisou.
 
Os acidentes do trabalho também se relacionam com o modelo da atividade econômica desenvolvida, segundo Scienza. "No Rio Grande do Sul um terço da mão-de-obra dos frigoríficos está afastada por doenças ocupacionais ou acidentes. 
 
O modelo está errado, a organização do trabalho que é deletérea à saúde", afirmou. Para ele, a questão dos acidentes vai muito além dos EPIs, como no caso de uma queda de elevador ocorrida em uma obra de Salvador.
 
"Adiantava os trabalhadores estarem de capacete, com luvas, etc? Claro que não!", argumentou. "O acidente é muito traumático mas deve ser sempre uma situação de aprendizagem", concluiu.
 
Prevenção de Acidentes de Trabalho é discutida no Plenário do TRT 4  
  
Ao longo da sexta-feira, dia 31/08, ocorreu o seminário “Prevenção de Acidentes de Trabalho” no Plenário do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS). A realização do evento representa o cumprimento de uma das metas do Programa Trabalho Seguro, traçadas durante o 3º Encontro de Gestores do Programa. A atividade foi promovida pela Escola Judicial do TRT4 e pelo Núcleo Regional do Programa.
 
A abertura oficial do evento contou com a presença do ministro Hugo Carlos Scheuermann, do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que mencionou a satisfação pelo alcance da meta planejada ainda quando era desembargador do TRT4 e coordenador do Núcleo Regional do Programa Trabalho Seguro. 
 
Em sua fala, lembrou a importância da discussão da prevenção deste que considera um “flagelo social”. “As estatísticas são absolutamente trágicas, a indicar que, ao longo do ano de 2010, por dia, mais de sete trabalhadores perderam a vida durante suas jornadas de trabalho”, apontou o ministro. 
 
Citou, ainda, um dos outros painelistas do seminário, o desembargador mineiro Sebastião Geraldo de Oliveira, dizendo que os acidentes de trabalho não ocorrem, em regra, por mera fatalidade, mas, sim, por culpa ou dolo. “Ora, os acidentes laborais, se previsíveis, são previníveis”, destacou. 
 
A mesa de abertura foi composta, ainda, pela vice-presidente do Tribunal, desembargadora Rosane Serafini Casa Nova, pelo diretor da Escola Judicial, desembargador Denis Marcelo de Lima Molarinho, e pelo coordenador regional do Programa Trabalho Seguro, desembargador Alexandre Corrêa da Cruz.
 
O primeiro painel do dia, “O Acidente de Trabalho - Suas Causas”, teve início com a exposição da médica e pesquisadora Maria Cecília Pereira Binder, intitulada "Causalidade dos Acidentes de Trabalho e Gestão de Riscos no Ambiente Laboral”. A estudiosa destacou a necessidade de se negar a falácia de que os acidentes laborais são sempre causados pela conduta da vítima, ou seja, causados porque o trabalhador faz ou deixa de fazer algo.
 
Sua exposição possibilitou uma análise mais ampla desse tipo de ocorrência, para a qual utilizou um caso real ocorrido na construção civil como exemplo. De acordo com Maria Cecília, o desencadeamento de um acidente de trabalho pode partir de fatores estruturais, tais como sindicatos de frágil atuação; depois disso, problemas em relação à situação de trabalho: por exemplo, um subcontrato mal gerido; e, por fim, eventos precedentes à lesão – como uma intempérie para a qual o local de trabalho não estava preparado. 
 
Os subcontratos foram examinados ainda mais amplamente como fatores ligados à ocorrência de acidentes de trabalho. Segundo a pesquisadora, a terceirização está intimamente relacionada com a rotatividade elevada de mão de obra, com a despreparação dos trabalhadores, com as jornadas e ritmo excessivos de trabalho, portanto, com os acidentes laborais.
 
Prevenção dessas ocorrências estaria ligada, então, à adoção do princípio da “falha segura”, ou seja, o respeito às limitações da capacidade humana, além da identificação sistemática de fatores de risco de natureza técnica, gerencial, organizacional e da priorização da segurança em detrimento da produtividade.
 
Na segunda apresentação da manhã, teve espaço o médico e pesquisador Álvaro Roberto Crespo Merlo. Sua palestra abordou o tema “As doenças ocupacionais: o impacto da organização do trabalho na saúde física e mental do trabalhador”. 
 
O estudioso caracterizou o trabalho como construtor da identidade, como âncora da saúde mental, e, por isso, a obrigatoriedade de se discutir a prevenção deste tipo de mazela, equiparada ao acidente de trabalho por força de lei, para proteção da sociedade. O segundo painelista do dia concordou com a primeira expositora em relação à negação da fatalidade na ocorrência de qualquer tipo de acidente laboral. 
 
De acordo com Merlo, as causas das doenças ocupacionais dizem respeito ao tipo de organização do trabalho aliado à história singular de cada trabalhador e não somente a este segundo fator.
 
Logo após a palestra de Álvaro, foi veiculado um depoimento gravado do psicanalista francês Christophe Dejours e, então, abriu-se um debate para questionamentos aos painelistas.

Fonte: Tribunal Regional do Trabalho 4ª Região Rio Grande do Sul, por Juliano Machado e Daniele Duarte, 03.09.2012

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