Em sua intervenção, Scienza destacou que o número de acidentes do
trabalho no Brasil representa uma tragédia nacional, e que a questão não é
exclusiva de um ministério, mas de todos os órgãos ligados ao mundo do Trabalho.
Ele citou estimativa do sociólogo José Pastori segundo a qual, além das imensas
perdas humanas, o custo dos acidentes do trabalho chegam a 9% de toda a massa
salarial do país.
Para o auditor, quando se fala em acidentes de
trabalho existem as questões visíveis e as questões ocultas sobre o tema. Em
primeiro lugar, segundo ele, as estatísticas referem-se apenas aos trabalhadores
formais, e os índices de informalidade no Brasil ainda são muito altos.
Estima-se que de 4 a 20% das mortes de pessoas com câncer estejam
ligadas ao trabalho, o que muitas vezes não é evidente para os órgãos
reguladores. "Tanto do ponto de vista da dor, do sofrimento, das mortes
ocorridas, como do ponto de vista econômico, esta é uma disfunção que precisa
ser corrigida", afirmou, explicando que o primeiro passo para a resolução dessas
questões é o reconhecimento de que elas existem.
"Recentemente se
reconheceu o nexo de causalidade entre os problemas de circulação sanguínea dos
motoristas de caminhões-tanques carregados com gasolina e produtos com benzeno.
Isso é fundamental", exemplificou.
Scienza também explicou que, no que
se refere à fiscalização do trabalho, a questão da invisibilidade é bastante
importante. "Uma prensa que aparentemente estava com todas as condições de
segurança foi interditada recentemente, porque concluiu-se que a distância entre
o trabalhador e o local da prensagem era muito pequena e poderia ocasionar
acidentes", relatou. "Muitas questões dos acidentes estão ligadas à própria
organização do trabalho, não apenas nas condições dos equipamentos",
avaliou.
Em outros casos, conforme o AFT, os acidentes estão ligados ao
aporte tecnológico precário e inadequado, situações nas quais qualquer norma de
segurança e saúde será insuficiente.
"Não adianta colocarmos tecnologia
moderna em cima de uma DKW", ilustrou. É o que ocorre com equipamentos
utilizados nas fundações dos prédios. "Trabalhador não é minhoca para estar
debaixo da terra. Já existem alternativas tecnológicas para esse tipo de
trabalho", disse.
Para Scienza, verifica-se em muitas situações a
empresa tentando otimizar seus custos com a precarização das condições de
segurança. Ele citou o exemplo de uma empresa em Porto Alegre que instruía seus
funcionários a utilizar o máximo possível das chapas de aço na hora do corte.
Em uma ocasião, um operador de prensa precisou se afastar e deixou no
seu lugar um auxiliar de operador. Quando o auxiliar posicionou manualmente um
retalho de aço a máquina entrou em movimento e amputou sua mão. "Casos como
estes são paradigmáticos", afirmou Scienza.
Scienza explicou que os
auditores do trabalho possuem basicamente duas ferramentas importantes na
prevenção de acidentes. A primeira delas é a análise ampla dos casos, que muitas
vezes gera determinações que não estão previstas em nenhuma lei.
"Se
concluírmos que uma determinada atividade precisa ser executada por um
determinado número de trabalhadores e a empresa não possui esse número,
determinamos a contratação como prevenção", exemplificou.
Outra
possibilidade é a interdição de obras e máquinas, que ocorre a partir de
critérios técnicos que não necessariamente estão descritos nas normas
regulamentadoras. "Isso nos permite avançar a patamares maiores",
frisou.
Os acidentes do trabalho também se relacionam com o modelo da
atividade econômica desenvolvida, segundo Scienza. "No Rio Grande do Sul um
terço da mão-de-obra dos frigoríficos está afastada por doenças ocupacionais ou
acidentes.
O modelo está errado, a organização do trabalho que é
deletérea à saúde", afirmou. Para ele, a questão dos acidentes vai muito além
dos EPIs, como no caso de uma queda de elevador ocorrida em uma obra de
Salvador.
"Adiantava os trabalhadores estarem de capacete, com luvas,
etc? Claro que não!", argumentou. "O acidente é muito traumático mas deve ser
sempre uma situação de aprendizagem", concluiu.
Prevenção de Acidentes
de Trabalho é discutida no Plenário do TRT 4
Ao longo da sexta-feira,
dia 31/08, ocorreu o seminário “Prevenção de Acidentes de Trabalho” no Plenário
do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS). A realização do evento
representa o cumprimento de uma das metas do Programa Trabalho Seguro, traçadas
durante o 3º Encontro de Gestores do Programa. A atividade foi promovida pela
Escola Judicial do TRT4 e pelo Núcleo Regional do Programa.
A abertura
oficial do evento contou com a presença do ministro Hugo Carlos Scheuermann, do
Tribunal Superior do Trabalho (TST), que mencionou a satisfação pelo alcance da
meta planejada ainda quando era desembargador do TRT4 e coordenador do Núcleo
Regional do Programa Trabalho Seguro.
Em sua fala, lembrou a
importância da discussão da prevenção deste que considera um “flagelo social”.
“As estatísticas são absolutamente trágicas, a indicar que, ao longo do ano de
2010, por dia, mais de sete trabalhadores perderam a vida durante suas jornadas
de trabalho”, apontou o ministro.
Citou, ainda, um dos outros
painelistas do seminário, o desembargador mineiro Sebastião Geraldo de Oliveira,
dizendo que os acidentes de trabalho não ocorrem, em regra, por mera fatalidade,
mas, sim, por culpa ou dolo. “Ora, os acidentes laborais, se previsíveis, são
previníveis”, destacou.
A mesa de abertura foi composta, ainda, pela
vice-presidente do Tribunal, desembargadora Rosane Serafini Casa Nova, pelo
diretor da Escola Judicial, desembargador Denis Marcelo de Lima Molarinho, e
pelo coordenador regional do Programa Trabalho Seguro, desembargador Alexandre
Corrêa da Cruz.
O primeiro painel do dia, “O Acidente de Trabalho - Suas
Causas”, teve início com a exposição da médica e pesquisadora Maria Cecília
Pereira Binder, intitulada "Causalidade dos Acidentes de Trabalho e Gestão de
Riscos no Ambiente Laboral”. A estudiosa destacou a necessidade de se negar a
falácia de que os acidentes laborais são sempre causados pela conduta da vítima,
ou seja, causados porque o trabalhador faz ou deixa de fazer algo.
Sua
exposição possibilitou uma análise mais ampla desse tipo de ocorrência, para a
qual utilizou um caso real ocorrido na construção civil como exemplo. De acordo
com Maria Cecília, o desencadeamento de um acidente de trabalho pode partir de
fatores estruturais, tais como sindicatos de frágil atuação; depois disso,
problemas em relação à situação de trabalho: por exemplo, um subcontrato mal
gerido; e, por fim, eventos precedentes à lesão – como uma intempérie para a
qual o local de trabalho não estava preparado.
Os subcontratos foram
examinados ainda mais amplamente como fatores ligados à ocorrência de acidentes
de trabalho. Segundo a pesquisadora, a terceirização está intimamente
relacionada com a rotatividade elevada de mão de obra, com a despreparação dos
trabalhadores, com as jornadas e ritmo excessivos de trabalho, portanto, com os
acidentes laborais.
Prevenção dessas ocorrências estaria ligada, então,
à adoção do princípio da “falha segura”, ou seja, o respeito às limitações da
capacidade humana, além da identificação sistemática de fatores de risco de
natureza técnica, gerencial, organizacional e da priorização da segurança em
detrimento da produtividade.
Na segunda apresentação da manhã, teve
espaço o médico e pesquisador Álvaro Roberto Crespo Merlo. Sua palestra abordou
o tema “As doenças ocupacionais: o impacto da organização do trabalho na saúde
física e mental do trabalhador”.
O estudioso caracterizou o trabalho
como construtor da identidade, como âncora da saúde mental, e, por isso, a
obrigatoriedade de se discutir a prevenção deste tipo de mazela, equiparada ao
acidente de trabalho por força de lei, para proteção da sociedade. O segundo
painelista do dia concordou com a primeira expositora em relação à negação da
fatalidade na ocorrência de qualquer tipo de acidente laboral.
De
acordo com Merlo, as causas das doenças ocupacionais dizem respeito ao tipo de
organização do trabalho aliado à história singular de cada trabalhador e não
somente a este segundo fator.
Logo após a palestra de Álvaro, foi
veiculado um depoimento gravado do psicanalista francês Christophe Dejours e,
então, abriu-se um debate para questionamentos aos
painelistas.